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Justiça determina que polícia investigue se houve racismo por parte de vítima ao descrever ladrão de carro em Porto Alegre

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251022 racismo

Uma mulher que foi vítima de roubo de veículo em Porto Alegre neste ano pode ser investigada por racismo. Ao ser ouvida durante uma audiência no Foro Central, ela descreveu o assaltante como “uma pessoa de pele escura e traços grosseiros”.

Diante disso, a Justiça entendeu que havia a possibilidade de um crime, conforme a Lei 7.716/99, conhecida como a Lei do Racismo, que pune todo tipo de discriminação ou preconceito. O assaltante foi condenado pelo roubo, mas a manifestação da vítima foi encaminhada para apuração pela Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância.

Em maio deste ano, uma mulher — que preferiu não ter nome e local onde mora na Capital divulgados — teve o carro roubado por dois ladrões. Um deles apontou a arma para ela dizendo que iria atirar se não entregasse a chave. Apavorada e pensando e resgatar seu cão, entregou a chave após pegar o animal. Não houve agressão, mas, segundo ela, foram momentos de pânico.

Após ocorrência registrada e, já em casa, ela recebeu uma ligação e foi informada de que o carro foi recuperado e um dos criminosos, preso. Ela foi em uma Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento e reconheceu o homem, inclusive a arma — ela atua justamente em uma área que envolve armamento. O caso foi investigado, imagens de câmeras de segurança foram anexadas ao inquérito e o autor foi indiciado pela polícia.

Mais de dois meses depois, no final de julho, a mulher foi acionada para uma audiência na 13ª Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre. A juíza Jocelaine Teixeira solicitou que a vítima de assalto descrevesse o autor do roubo. De acordo com a depoente, ela respondeu:

— Uma pessoa de pele escura e traços grosseiros.

O termo da audiência, obtido por GZH, também traz essa descrição.

— Mas foi uma descrição, nada mais, não foi, em nenhum momento, com a intenção de ofender alguém, ninguém. Sobre a hipótese de racismo sugerida pela juíza, eu me senti humilhada, senti que passei de uma condição de vítima para uma situação de investigada, já que ela disse que faria constar o fato no meu depoimento. Mas repito, não desejo isso para um inimigo, caso eu tivesse. O que passei é um absurdo, ver uma arma apontada para ti, ameaça de morte — afirmou.

Determinação judicial
Devido a essa descrição, a magistrada disse ter ficado chocada com e descrição da depoente e que não poderia se omitir diante do fato. Tanto é que Jocelaine determinou investigação policial para averiguar se houve ou não um indicativo de racismo no depoimento da vítima de roubo de carro.

— Uma conduta não exclui a outra e coube a mim determinar se o fato se caracterizava ou não crime — explica a juíza.

Sobre a questão envolvendo dois fatos, roubo de carro e a possibilidade de manifestação com cunho racista, Jocelaine destaca que o assaltante descrito como “pele escura e traços grosseiros” foi condenado a oito anos e oito meses de prisão pelo roubo do carro da vítima e ainda por posse ilegal de arma de fogo.

A juíza ainda manifestou que, se este fato virar um futuro processo judicial, ela vai se declarar impedida de julgar por ter sido, na verdade, uma testemunha e ter declarado um juízo de valor inicial.

Descrições de suspeitos
O diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), delegado Sander Cajal, destaca que a Delegacia de Roubo de Veículos apurou o caso referente ao carro da vítima que foi roubado. Segundo ele, o assaltante é considerado de alta periculosidade, inclusive, com outros inquéritos abertos contra ele. O policial ainda diz que este tipo de descrição é comum na polícia, já que cada uma das pessoas ressalta da forma que entende ser mais fácil a identificação do suspeito.

— Para mim, inicialmente, não se configura dolo pejorativo, uma intenção de depreciar o assaltante — explica Cajal.

O caso agora está com a Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância. A delegada titular, Andrea Mattos, deve acionar para depor nos próximos dias a então vítima de roubo de veículo, que, dependendo da nova investigação, pode ser ou não autora de um crime de racismo. A delegada diz que tudo é preliminar e precisa analisar os depoimentos, bem como conferir se há alguma declaração que possa estar enquadrada na Lei do Racismo. No entanto, inicialmente, Andrea não vê propósito para abertura de inquérito.

Racismo estrutural
O integrante do Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos do Rio Grande do Sul e membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Ubirajara Toledo, diz que o fato ocorrido, em tese, reforça que o negro tem de ser ladrão, criminoso, preguiçoso. Segundo ele, trata-se de uma herança de um processo de racismo que ainda hoje segue estruturado na sociedade brasileira.

— É um fato sempre preocupante essa suspeita de trazer na sua pele e nos seus traços uma suspeita de uma pessoa ser considerada criminosa. É uma violência institucionalizada — diz.

Segundo Toledo, foi uma decisão acertada a da magistrada em pedir uma investigação sobre as declarações de uma pessoa, mesmo que ela tenha sido vítima de um roubo de veículo. Essa determinação da magistrada, de acordo o integrante do instituto, está de acordo com o que tem sido denunciado há anos no país, no caso, o racismo estrutural.

Fonte: GZH

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